O teatro pode fazer parte do seu dia a dia? Talvez você seja do grupo de pessoas que acredita que o teatro, assim como todo tipo de arte, está reservado a ambientes específicos e até dias, horários e momentos específicos da vida de alguém. No entanto, William Shakespeare não disse que “o mundo inteiro é um palco” à toa. Assim como o dramaturgo sabiamente explicou centenas de anos atrás, o teatro já é parte da vida de todos e pode ser usado cotidianamente a partir da sua verdadeira função.
Patrick Santos é programador e desenvolvedor de sistemas e nunca tinha pensado em fazer teatro até saber do Curso Livre de Teatro – Da Personalidade ao Espontâneo da Coexiste Arte Cênicas, dirigida por Carol Triguis e Pri Carvalho. A experiência foi tão incrível que, não satisfeito, ele passou por duas turmas do curso, sendo a mais recente na versão online por conta da pandemia de coronavírus.
Falar sobre as aulas com Patrick é imediatamente se apaixonar pelo processo que ele viveu e perceber como o curso não serviu apenas como uma maneira para ele aprender a se soltar mais, mas um exercício de foco, objetividade e interesse pelo outro que deixou o palco e virou parte dos seus dias.
“Eu aprendi o quanto eu gosto de me interessar pelas coisas”, explica. “Eu sempre fui muito retraído, com medo de me expor, falar e me sentir errado. Conforme eu fui perdendo esse medo, eu comecei a ficar mais presente, mais prestando atenção. Aconteceu de eu descer a escada de casa, parar, olhar as coisas e curtir – tem uma porta de madeira bonita, um sol bonito… Tem coisas que eu só não percebia porque eu estava pensando muitas outras. Com as pessoas, isso até se multiplica, porque tem um universo no outro e, se eu consigo prestar mais atenção, eu fico emocionado vendo o que a pessoa passa num dia.”
Patrick, que também é aluno do curso de aprofundamento A Verdade Presencial, o Reencontro, da Coexiste, já sabe da importância e os efeitos de diminuir o fluxo de pensamentos e se interessar verdadeiramente pelas pessoas e pelos cenários que vê, mas encontrou no teatro uma aplicação muito prática e um entendimento aprofundado do que ele vem estudando há mais de dois anos.
“No teatro a gente aprende a colocar a mente em um foco que é como se fosse outra pessoa. Quando a gente faz isso, para de pensar o que o Patrick pensa, e essas coisas que pareciam ser super importantes param de ser importantes – preocupações, culpas e raivas param de ser importantes”, explica. “Esse movimento de tirar o foco disso e colocar em outro personagem é bizarro porque você fica ‘Pera, isso nunca foi uma grande coisa?’.”
A partir daí, ele passou a usar esse movimento aprendido como uma forma de rever as sensações do seu dia a dia e a sua forma de olhar para as pessoas com quem trabalha, o que, inclusive, faz com que ele recobre a motivação para trabalhar com mais alegria e empenho. “No trabalho, um lugar em que várias vezes eu ficava desmotivado, eu lembrei desse movimento, de como é ir para um personagem”, conta. “Só de lembrar disso eu paro de sentir tudo o que eu estou sentindo. Eu lembro que essas coisas que eu senti são parte de um personagem. É um lugar de seriedade, de ‘Pera, o que está acontecendo?’.”
Exposição X Expansão
Para a médica ginecologista Denise Grizante, um dos principais aprendizados conquistados por ela no teatro foi a permissividade. Aos 71 anos, ela se questionava sobre a questão da exposição e o peso que a idade trazia, mas percebeu tudo isso se dissolver ao se permitir seguir a orientação das professoras e ter experiências muito diferentes das que estava acostumada.
“Eu não sou uma pessoa tímida, sou expansiva, mas eu consegui tirar essa coisa de ‘Como é que você vai se expor?’. Isso eu consegui jogar fora mesmo”, diz. “Então, me ajudou? Me ajudou muito. Na minha vida, no meu dia a dia, nas possibilidades que eu tenho, que eu tenho muito que entregar o que eu tenho, independentemente do conceito das pessoas, do que pensam. E eu sei que isso também ensina os outros, eu ajudo outras pessoas a tirarem esse preconceito de idade.”
Denise é professora do curso A Verdade Presencial, parte da turma chamada Xeque-Mate, a mais avançada do treinamento em consultoria existencial, e usou as aulas como uma forma de rever conceitos que tinha sobre si mesma e deixá-los de lado em nome do relacionamento com os colegas de turma. E o feedback dessa permissividade foi notado.
“Eu ouvi isso de uma amiga: ‘Você não tem vergonha?’ Deveria ter? Não sei. Tem medo? Tem medo de ser ridículo, lógico. E, quando você faz esse curso, você suplanta isso, você vê que não tem, não é”, diz. “E a igualdade também, em nenhum momento eu senti que alguém falou ‘Deixa isso aqui, que você é mais velha’, não! Isso ajuda a gente também a incorporar essa história, estamos todos aqui, somos todos iguais e não existe isso de idade e não idade”, continua.
Observação refinada
Renata Maraschin é arquiteta e mudou para São Paulo há pouco tempo. Assim como Patrick, ela nunca teve interesse em fazer aulas de teatro, mas a convite de uma das professoras e também com o objetivo de conhecer pessoas novas na cidade, ela decidiu fazer uma aula experimental. Logo, em seguida, fez sua matrícula.
“Tive um aprendizado de observação. Muitos momentos de ‘observe o que você faz’, aquele aprendizado de olhar para o outro e para a gente, para quem a gente está vendo dentro de casa com mais compaixão, com mais carinho. Foi muito prazeroso isso”, diz. “Eu acho que é uma grande ajuda para conseguir lidar com as questões do dia a dia, esse papel que o teatro traz de representar, de sentir, de vivenciar… Acho que todos tinham que fazer um módulo de teatro.”
Renata, aliás, mal chegou na cidade e começou um curso tão cheio de proximidade e vivências no físico e precisou, assim como todo mundo, ficar em casa por conta da pandemia de coronavírus. Ao contrário do que se poderia imaginar, no entanto, as aulas de teatro não pararam, mas passaram para o sistema online – incluindo a apresentação de fim de curso, realizada em junho.
“Eu não esperava. Foi bem marcante em todos os sentidos”, diz ela, sobre a experiência de ter aulas de teatro pelo Zoom. “A gente começou presencial, tinha aquele negócio do estar junto, o se tocar, o se ver, e a gente foi pro online. Foi ficando bem interessante, a função de estar próximo e não estar junto, rolou bem direitinho. Fomos a primeira turma a fazer aula online, então, foi uma experiência interessante para as professoras, como lidar com um monte de gente de um jeito interessante para todo mundo.”
Objetivo do curso e o online como ferramenta de conexão
Falando na experiência de dar aulas online, para Carol e Pri a experiência foi tão surpreendente quanto para os alunos. Elas, que também fizeram essa transição com a turma do curso de especialização para atores Bases Imprescindíveis para o Ator Profissional, contam a importância de manter a entrega das aulas em mente ao buscar uma nova forma de manter o contato com os alunos.
“Tivemos que abrir nossa mente e descobrir um novo formato que entregasse a mesma experiência e chegasse no mesmo lugar do curso presencial. O formato online nos mostrou que o relacionamento e a comunicação acontecem independente da presença física, mas a partir de uma intenção verdadeira e de um ambiente mental seguro”, dizem.
A experiência deu tão certo que o curso, que abriu turmas novas neste mês de agosto, vai continuar no formato online até que seja possível juntar os alunos no formato presencial novamente, sempre mantendo em vista o objetivo que deu origem a esse curso livre.
“A gente sempre escuta as pessoas falando sobre muitas dificuldades com a sua expressão, desde falar em público, até uma conexão mais profunda com as próprias sensações. O Curso Livre nasceu como um caminho pra fora dessas dificuldades, já que reconhecemos que o nosso natural é livre e expansivo”, dizem Carol e Pri.
O resultado fica claro na experiência dos alunos que, além de descobrirem uma nova admiração pela arte, também levam para os seus dias aquilo que aprendem e se unem às professoras em uma nova postura diante do mundo.
“Eu sinto tanta gratidão que a maneira de expressar isso é fazer isso por alguém. Tem uma coisa que acontece que não é com palavras, mas eu fico vendo a devoção delas de gostarem de mim, e eu fico vendo o quanto elas ficam felizes em verem pessoas sendo cuidadas, e eu fico ‘Eu quero fazer com isso com vocês'”, finaliza Patrick.
O Curso Livre de Teatro – Da Personalidade Ao Espontâneo tem duração de quatros meses, e abre turmas em fevereiro e em julho de cada ano. Para o futuro, quando as restrições da pandemia acabarem, a ideia é manter a opção online para atender a quem estiver distante.